No país dos Lambe-Botas

on 11 fevereiro 2008

Era um país muito pequeno, de forma mais ou menos rectangular, no canto de um velho continente.
País que outrora foi o maior. O seu território dispersava-se por todo o mundo. Mas ficara reduzido ao pequeno rectangulo e pouco mais. Ganância de uns, inoperância de outros, vontade de muitos.
Nesse país, começou a despontar uma classe social. A dos lambe-botas ou bajuladores. Sempre existiram, mas a partir de certa altura começaram a reproduzir-se como coelhos (coitados dos bichos), e na data da visita do narrador eram "mais do que as mães".
Mas afinal o que isso de lambe-botas? Antes de tudo convém dizer que, em contraposição (ou mais concretamente no topo da cadeia hierárquica), se encontram os botas lambidas, mas desses trataremos adiante. Os lambe-botas, ou bajuladores, são pessoas que trocaram a sua dignidade a troco de favores ou de uma carreira. Honra é coisa que se lhes não conhece. Escrúpulos também não. São capazes de tudo para atingir os seus objectivos, e quando digo de tudo, é tudo mesmo. Basta saber que o bota lambida pretende algo que, jogando em antecipação se apressa a satisfazer. Não ousa contradizer ou desagradar a pesssoa a quem bajula. Às vezes sente-se pena deles, de tanto lamberem ficam com a línguia toda gretada. Coitados... E quando têm que bajular mais de um, com interesses antagónicos? é vê-los feitos baratas tontas... Há também aqueles que lambem e continuam a lamber, mas como vêm o caminho apertado mudam de lambido. É hora de saltar do lado direito para o esquerdo, e vice-versa...
A esta hora pensará o leitor: mas porque raio é que estes seres não são pura e simplesmente banidos da sociedade, de tão rascas que são? É de fácil resposta: porque estão em maioria. E para se viver nesse pais com tranquilidade tem que se ser lambe-botas. Eles proliferam por todo o lado: em cargos de chefia, em lugares de destaque na vida social, política, sei lá, tudo o mais que possam imaginar. Eles são tantos em tantos sítios que, salvo honrosas excepções (que confirmam a regra) não há lugar de destaque que não esteja ocupado. E é aí que se dá a metamorfose: passam de lambe-botas, a bota-lambida, de bajulador a bajulado, inciando-se novo ciclo, que levará novos lambe-botas à mais alta cadeira hierárquica, renovando-se assim a classe.
Há estabelecimentos de ensino que promovem cursos de lambe-botismo. Há até um MBA em bajulação. Os workshops de como bem lamber as botas do senhor proliferam, com muitas demonstrações práticas. Aliás, é aqui que muitas vezes se dão a conhecer.
Nesse país, a frontalidade é confundida com falta de educação, com populismo, com arruaceirismo. Seriedade e honestidade são falsas modéstias.
São promulgadas leis para encobiri as subidas dos lambe-botas e conferir maior seriedade à coisa. E se por acaso há um bom lambedor e não há lugar para ele de imediato, lá se arranja qualquer coisa.
Nesse país, há muito poucos lugares para os outros, aqueles que tentam construir uma carreira sem atropelos, sem manobras obscuras, de forma séria e transparente.
E não é que, de repente, acordei e ao relembrar o sonho pensei: "eles andam aí..."

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